22 de outubro de 2018

Na estrada

Olhe por trás do sorriso, há uma estrada de histórias... 
Sou a soma delas, mas não sou só isso, sou inacabada, porque tenho essa vontade do que ainda não vivi.
Há um caminho pela frente, eu posso enxergá-lo... 
É ele que me move e o nomeei de Esperança!
Vem comigo! A estrada é linda e vale a pena!





13 de outubro de 2018

A infância é a nossa pátria


A infância é a nossa pátria
A nossa casa ficava em uma rua sem calçamento, ladeada por casas simples, a maioria de madeira, uma ou outra de alvenaria, algumas mais imponentes e bonitas, mas a maioria muito simples.  Os muros eram baixos e os portões nunca ficavam cadeados, eram tempos em que a violência era algo distante e não fazia parte do nosso dia a dia.
O cenário da minha casa era muito simples, uma casa de tábuas verdes com um chão vermelho encerado, um pátio com areia, cachorros, um pé de ameixa e dois pés de goiaba, nos quais subíamos com frequência.
Éramos cinco irmãos, quatro meninas, Gisele, Luciane, Patrícia e Tatiana e o último, Thiago, o menino que meu pai tanto desejou.  Sou a segunda filha desta prole numerosa e ruidosa, de fato demos muito trabalho aos nossos pais e avós.
Crescemos com poucos recursos financeiros, porém com uma infância proporcionada por liberdade, bons brinquedos, passeios e livros. Muito cedo descobri que meus pais trabalhavam e viviam por nós.
Essa liberdade era o desafio maior de nossos cuidadores, porque as brincadeiras na rua, as subidas em árvores, os tombos de bicicleta, nos renderam algumas idas ao hospital, alguns pontos e cicatrizes pelo corpo.
Em uma dessas peraltices, lembro-me como se fosse hoje o dia em que minha irmã Tatiana perdeu o dedo do pé na carona da bicicleta da minha irmã Gisele. Estávamos na praia, em Cidreira, nossos veraneios quase sempre foram nessa praia, nossos pais reservavam um dinheirinho para as férias, isso era sagrado. Bom voltando ao episódio, as duas manas saíram para uma volta de bicicleta e a minha irmã colocou acidentalmente o pezinho na correia da bicicleta e o estrago foi feito. Bem que minha mãe tentou um reimplante do dedo, mas estávamos a três horas do hospital, sim era mais longe do que hoje, os carros e as estradas eram outras e minha irmã teve que conviver com o fato de não ter o dedão do pé.
Além dessa situação poderia enumerar outros casos de tombos e arranhões, não tão trágicos, porque facilmente esquecemos e ficaram as lembranças gostosas das tardes ensolaradas, dos banhos de mangueira, das primeiras idas ao colégio e dos cheiros que até hoje me convidam às lembranças.
Alguns desses, eu não esqueço e me enchem de nostalgia, o cheiro de leite quente na caneca de alumínio, o cheiro de livro novo, esse ainda me enfeitiça tanto! O cheiro da borracha e o “fedor” de banana das merendeiras. Isso vive em mim com força e quando eles aparecem me recrutam a esse tempo tão bem vivido.  
O nosso convívio com os avós foi uma benção a parte, eles eram passionais, apaixonados por nós e nossos defensores em todos os momentos, tanto meu avô, quanto a minha avó, cumpriam um papel de guardiões da infância, não queriam que nada pudesse nos atrapalhar e sempre que algo pudesse nos ameaçar, lá estavam eles nos protegendo, muitas vezes de forma exagerada. Mas dizem por aí, que amor de avós é muito diferente, eu espero viver esse amor para comprovar. Em um desses episódios exagerados lembro-me do meu avô nos levando embora de uma festinha de aniversário, porque minha irmã tinha levado uma mordida de uma outra criança e ele disse que tinha “cachorro louco” solto na festa. Pois então, eram exagerados, mas exagerados no amor.
A vida oferecia possibilidades diferentes, mais simples, éramos curiosos, inventivos e criávamos todo o tipo de cenário para as nossas brincadeiras.  As bonecas sempre foram o meu brinquedo preferido, a Suzi era a Barbie dos anos 70, além das bonecas de papel que comprávamos na banca e podíamos trocar as roupas. Mas eu também gostava das brincadeiras de rua, “sapata” era o nome da amarelinha. E para jogar “sapata”, colecionávamos todo o tipo de pedra ou entulho de obra.
As brigas entre irmãos quase sempre eram em função de um ou outro brinquedo estragado, ou em função de uma “delação premiada”, quando alguém entregava o autor da peraltice, aí a coisa ficava feia. Puxar os cabelos até o chão era uma estratégia de briga recorrente, até que nossos pais exigissem que “fizéssemos as pazes” e tudo voltava a ser alegre.
                Assistíamos a televisão juntos, só dois canais a escolher. Havia um consenso coletivo, não me lembro das brigas e disputas infantis serem em função da TV. Só havia um aparelho na casa e estava tudo bem.
Assistíamos ao Sítio do Pica Pau Amarelo e as aventuras de Pedrinho e Narizinho eram muito parecidas coma as aventuras que vivíamos. Assim acreditávamos...
Quanto a mim, sinto falta dessa fantasia, dos cheiros e das angústias aventureiras da época. Quando fazíamos uma arte, a torcida era para que os pais não descobrissem. Nisso havia a cumplicidade da Dona Neda, uma Dona Benta, toda nossa, que ralhava quando precisava, mas que era nossa cúmplice em todas as aventuras.
Dela ficou um jargão em forma de ensinamento que se perpetuou para os bisnetos e tataraneto: “Bota sentido, no que estás fazendo, bota sentido...”  Ela sem nunca ter concluído uma etapa do colégio já sabia da importância da atenção plena, hoje tão falada e conhecida como mindfulness.  Que saudade!
Mas a vida não é perfeita, o roteiro às vezes muda, pois foi  também na infância que vivenciei algumas doenças sérias e que de uma forma ou de outra foram me constituindo e me tornando a cada dia mais resiliente. Dizem que a infância é a nossa pátria. Creio que seja assim mesmo...


GISELE

                                                                                                                                         ...